quinta-feira, 29 de março de 2018

Como se Deus não existisse - Ricardo Gondin, pr

Como se Deus não existisse
No século passado, Karl Marx e Sigmund Freud representavam duas grandes ameaças contra a religião. Marx afirmava que a igreja serve a interesses ideológicos de controle político e de subjugação econômica. Freud, por sua vez, percebia os mecanismos infantilizantes da religião quando sacerdotes projetam em Deus nosso desejo por um pai perfeito. Para ele, a prática religiosa condena homens e mulheres a viverem como eternas crianças, sempre precisando de intervenções sobrenaturais para enfrentar as agruras da vida.
É preciso dar a mão à palmatória. Os dois leram as instituições religiosas dos seus dias corretamente, principalmente a cristandade. Desde Constantino, o apelo do poder mostrou-se arrasador e irresistível nas igrejas. Infelizmente, os ensinos do Nazareno foram usados para autenticar o expansionismo imperialista e colonialista dos grandes impérios que se auto-proclamaram cristãos. Padres, pastores e bispos se vestiram como a grande prostituta do Apocalipse e se entregaram por qualquer preço. Monarcas beijaram anéis episcopais enquanto obrigavam seus donos a lamberem suas botas.
Assim, os mercadejadores do templo precisaram distribuir ópio religioso para poderem fazer vista grossa e abençoar inúmeras carnificinas – dos Tsares russos ao Batista cubano; das aventuras ensandecidas de Isabel espanhola às dos Bush, pai e filho.
A adoração do “Deus provedor” ocidental deu razão a Freud, que denunciava os recintos religiosos como incubadoras de oligofrênicos. O proselitismo missionário foi feito, em grande parte, precisando de uma espiritualidade funcional. Na tentativa de mostrar a superioridade de Jeová sobre as demais divindades, criou-se um fascínio por milagres. “Nosso Deus funciona”, clamaram os evangelistas por séculos. Desse modo, o sobrenatural passou a ser compreendido como uma intervenção legitimadora daquele que é o verdadeiro “dono do pedaço”. Assim, os crentes viciados em milagres se condenaram à freudiana dependência infantil.
Em minha opinião, só seria possível resgatar a mensagem de Jesus Cristo, caso a religião abrisse mão de suas hierarquias institucionais, demitisse elites, democratizasse o acesso a Deus, e esvaziasse os rituais da função de serem técnicas para se obter bênçãos. É importante que repensemos a fé, seguindo o exemplo de Jesus que viveu sem precisar de milagres e morreu sem apelar para os anjos. Iguais a ele, precisamos viver sem os cabrestos da religião e sem as intervenções de Deus.
Concordo com John Hick em “Evil and the God of Love” (New York, Harper & Row; London, Mcmillan, 1966, p. 317)
“Ao criar pessoas finitas para amar e serem amadas por ele, Deus precisa dotá-las com certa autonomia relativa quanto a si mesmo”. Mas como pode uma criatura finita, dependente do Criador infinito quanto à sua própria existência e a cada poder e qualidade do seu ser, possuir qualquer autonomia significativa em relação a esse Criador? A única maneira que podemos imaginar é aquela sugerida pela nossa situação efetiva. Deus precisa colocar o homem à distância de si mesmo, de onde ele então pode vir voluntariamente a Deus.
Mas como algo pode ser colocado à distância de alguém que é infinito e onipresente? É óbvio que a distância espacial não significa nada nesse caso. O tipo de distância entre Deus e o homem que criaria certo espaço para certo grau de autonomia humana é a distância epistêmica. Em outras palavras, a realidade e a presença de Deus não devem se impor ao homem de forma coercitiva como o ambiente natural se impõe à atenção deles.
O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, “como se Deus não existisse”. Ele precisa ser cognoscível, mas apenas por um modo de conhecimento que implique uma resposta livre da parte do homem, consistindo essa resposta em uma atividade interpretativa não-compelida através da qual experimentamos o mundo como realidade que media a presença divina”.
Uma nova igreja precisa se desvincular de seu fascínio pelo poder, qualquer um: político, econômico, militar ou espiritual. Repito, urge que homens e mulheres construam sua humanidade, sendo sal da terra e luz do mundo, sem necessitar de repetidos socorros celestiais.
[Ricardo Gondim]

terça-feira, 27 de março de 2018

Manto e Terra - são só interjeições pentecostais ou tem mais angú nesse caroço?

Neste texto, uma reflexão sobre as expressões “manto” e “terra” que vêm sendo utilizada entre os pentecostais. O que elas significam? Porque são utilizadas? Para que servem? Superado o desconcerto inicial, passei a indagar não pelo sentido ou a serventia destes termos, mas pela coragem de quem os toma, pois age como se eles representassem ou servissem de algo. Os repetem como um conselho enigmático onde o manto é o mistério e a terra o seu destinatário.

Percorrendo a Bíblia, não foi preciso caminhar muito para encontrar o manto. Ele esteve sobre Elias e depois sobre Eliseu; antes disso, em Moisés; bem depois, sobre Isaías ou Daniel.O manto. A veste do profeta. A identidade do mensageiro. Os arautos bíblicos tinham um. Também o tinham os quatrocentos mentirosos que Acabe consultou para saber se deveria lutar contra os sírios na retomada de Ramote-Gileade (2 Crônicas 18). Eles o tinham e usavam-no, claro, a favor de quem os vestia, de quem os mantinha, de quem lhes dava provisão por previsões. Os quatrocentos aduladores de Acabe, vestindo quatrocentos mantos, entregaram quatrocentas mensagens falsas e derrubariam seu rei quatrocentas vezes. Mas se tinham o manto, se envergavam a cobertura, se andavam como profetas, que importa se mentiam?

Os quatrocentos videntes de Acabe eram parlapatões de farda, enganadores ornados, gabolas condecorados. Apesar de vestidos, estavam nus. Mesmo de túnica expunham suas vergonhas, o embuste de não serem o que diziam. Hoje, eles gritariam “manto!”, como quem afirma credenciais para compensar o crédito que lhe falta. Hoje, os quatrocentos charlatões de Acabe não fariam um culto, mas um espetáculo cuja figura principal seria o próprio rei, que alvo de suas loas cairia abatido pelos falhanços. Mas eles tinham o manto, e isso bastava à sua tola audiência.

Porque dizem “manto!” os profetas modernos? Porque querem ter um e não tem. Porque lhes interessa afirmar o que não são. Porque desejam o que não se pode comprar. Na profusão de modismos pentecostais, qualquer neologismo conta para afirmar espiritualidade. A bem da verdade, não deveríamos estranhar isso, pois a confusão semântica provocada pelos profetinhas é resultado da balburdia espiritual que há muito desencaminhou a profecia de sua vocação bíblica e original, exortar, edificar e corrigir a igreja. Os mantos de agora são como as capas do clero particular de Acabe: servem apenas para exaltar, elogiar e vingar os que têm comichão nos ouvidos.

Isso é sobre o manto. Mas, e sobre a terra? “Terra!” é um vocativo. É a maneira como os homens togados tratam os homens comuns, “Terra!”. Porque somos pó, e ao pó voltaremos. Simples assim. Em Ramote-Gileade, a terra era Acabe. Era o comum, o rei mortal, joguete nas mãos dos homens de manto. Dono de um ego carente, ele dependia das falsas profecias como a terra seca reclama água. Isso o tornou protagonista de um dos maiores pactos de mediocridade espiritual de que se tem notícia: o rei de Israel só consultava os seus adivinhos porque eles o agradavam – lhe parecia bom voltar ao pó iludido quanto à vida, pois a sua morte, já sabia, seria total desilusão. Num arrombo de sinceridade constrangedora, Acabe desintegrou qualquer virtude que ainda tivesse: “Há outro profeta, mas não gosto dele. Ele nunca me fala coisas boas!”. Terra? Não. Poeira.

Quando Deus disse que o ciclo da vida começa e finda no pó (Gênesis 3), ficou provada a temporalidade do existir. No entanto, a vaidade fez do transitório insignificância, pois os humanos desejam mais do que merecem, querem mais do que precisam. Assim, no afã de ter e juntar, os homens “amontoarão” (2 Timóteo 2.4) enganadores que os façam sentir maiores do que são: “Falsos profetas, podem nos chamar de ‘terra’, mas prometam-nos a vingança, as exaltações e os aplausos. Somos ‘terra’, mas queremos o mundo!”. Assim se comportava Acabe, assim se porta nossa geração. Ele era pó, mas seus falsos profetas o faziam sentir montanha. Poeira que era, ainda seria varrido para baixo do tapete da história.

Preocupados demais com a subcultura pentecostal, empenhados em cristalizar o jeito crente de falar e expressar a fé, esquecemos que acima de nossas expressões particulares e seus sentidos ocultos está a verdade revelada por Deus. Esta, sim, um manto que desce dos céus e nos cobre com o entendimento. Dedicados a extasiar os térreos, os profetas dos mantos roubados de um varal qualquer fingem superioridade espiritual, um nirvana evangélico, um êxtase sem igual. E a terra? Ela se deixa impressionar e encher pelo esvoaçar das estolas.

Num lampejo de tardia sobriedade, o rei Josafá, que se meteu a acompanhar Acabe na campanha indevida contra os sírios, pede para falar com um profeta de Deus, um que diga a verdade sem medo de perder o manto, um comprometido com o céu e não com a terra. É neste ponto da história que aparece Micaías, cuja participação é mais relevante por descortinar os bastidores da falsa profecia que por desmentir os enganadores particulares do monarca. Micaías conta ter visto o Senhor desejoso por derrubar Acabe, para o que autoriza um espírito mentiroso falar na boca dos falsos profetas. O frenesi dos quatrocentos embusteiros, então, era coisa pior que meninice, era possessão, era atuação de um espírito enganador enviado por Deus.

Que quer isso dizer? Que todos os que empolgados profetas gritando “Manto!” e “Terra!” estão sob efeito da mentira? Certamente não todos, mas, sem dúvida, muitos, pois a verdadeira profecia não existe para inflar os egos e exultar os homens, ela age para edificar a Igreja e construir-lhe os muros. Entre o manto e a terra, ouço palavras que não servem ao corpo de Cristo, não são úteis ao rebanho, não acrescentam ao povo. Entre o manto e a terra, ouço promessas de vinganças e vendetas. Entre o manto e a terra, Deus mata e enterra. Entre o manto e terra, se mata ou se morre. Entre o manto e a terra, não há vida nem misericórdia. Entre o manto e a terra, vejo Deus reduzido a um jagunço dos crentes, pronto a eliminar desafetos. Foi o que Acabe pediu. Foi o que lhe deram os quatrocentos enganadores de manto.

Gunar Berg de Andrade

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O “CRISTIANISMO” COMO O PIOR ADVERSÁRIO DO EVANGELHO

Do Portal caiofabio.net: 

O “CRISTIANISMO” COMO O PIOR ADVERSÁRIO DO EVANGELHO...

O fato simples é que sem religião, Jesus é quase irresistível, quando exposto em Sua nudez de simplicidade.
Disse “quase irresistível” porque existem os que odeiam o bem e o bom.
Entretanto, na maioria das vezes, em qualquer lugar e cultura, a mera apresentação de Jesus, sem doutrinações, sem vínculos culturais, sem adereços e penduricalhos, o torna insuportavelmente desejável.
Infelizmente, salvo pequenos spots de total ignorância acerca da existência do “Cristianismo” [que é o maior dificultador de Jesus na Terra], Jesus não mais chega sem ter sido precedido pelo anti-testemunho do Evangelho feito pelo “Cristianismo” e sua história de morte, perseguições, corrupção e perversão do Evangelho.
Se a humanidade tivesse uma amnésia total acerca do “Cristianismo”, e Jesus, somente Ele, fosse pregado na simplicidade com a qual Ele mesmo anunciou o Evangelho, então, creia: uma explosão aconteceria.
O “Cristianismo”, todavia, inviabilizou o Evangelho como testemunho universal!
Assim, é a Religião dos Cristãos o poder mais cria antagonismo ao Evangelho entre os homens.
Os Judeus já teriam outra atitude frente ao Evangelho não fosse o Cristianismo.
O mesmo se pode dizer dos Islâmicos...
O mesmo se pode dizer dos Hindus e Budistas...; e de todos os demais grupos históricos importantes.
Os cultos Africanos caso não tivessem sido demonizados pelo “Cristianismo” das formas culturais, e pela impaciência religiosa do “crsistãos”, também não fariam resistência, assim como em geral os índios, quando apenas expostos ao Evangelho, não o rejeitam, antes abraçam Jesus como um menino abraça um amigo.
O “Cristianismo”, no entanto, historicamente, desfigurou Jesus de tal modo que Ele se tornou desprezível em muitos lugares, e não é por maldade humana, mas apenas pela impossibilidade de aceitar o estupro do pacote “cristão sem o espírito de Jesus”.
Desse modo, historicamente, até hoje, o pior inimigo de Jesus e do Evangelho na Terra foi o “Cristianismo”.
Sim, historicamente, quanto mais expansão do “Cristianismo”, mais dificuldades para o Evangelho de Jesus no mundo.
Quem conhece um mínimo que seja dos vasos comunicantes da História, sabe que não exagero nada.
Nele, que é Deus, e, portanto, nada tem a ver com o “Cristianismo”, assim como nada tem a ver com Religião, mas apenas com Vida e Amor,
Caio
28 de abril de 2009
Copacabana
RJ

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A relação entre a igreja e o estado - por Franklin Ferreira




Deus estabelece na criação várias instituições para a ordem social, cada qual com sua própria esfera de atividade e missão, e responsável por algo diante dele.1 Mas, antes de considerarmos a posição reformada sobre a relação da igreja com o estado, será útil compará-la com outros modelos políticos e teológicos rivais.

O gráfico abaixo ilustra as percepções de cristãos influenciados pelo fundamentalismo americano, que se tornou um dos principais modelos de relação com a sociedade entre os evangélicos no século XX. A partir desse modelo, defendia-se não somente uma separação do Estado, mas também uma separação de outras esferas da criação, percebendo-as como essencialmente pecaminosas e impedidas de qualquer possibilidade de redenção:
   


A visão reformada da sociedade não se centraliza no indivíduo nem na instituição, mas na soberania de Deus sobre as esferas da criação, nas quais diferentes instituições estão debaixo do reinado de Deus. Como Koyzis afirma, esta posição é uma afirmação não hierárquica da sociedade civil, na medida em que “(1) a soberania derradeira pertence somente a Deus; (2) toda soberania terrena é subsidiária da soberania de Deus e (3) não há nenhum foco último (ou penúltimo) de soberania neste mundo do qual todas as demais soberanias sejam derivadas”.2

Essa posição destaca que “todos os homens vivem numa rede de relacionamentos divinamente ordenada.” Nesse sentido, “as pessoas não encontram sentido ou propósito quer em sua própria individualidade, quer como parte de um todo coletivo.” Na verdade, “elas atendem a seus chamados dentro de uma pluralidade de associações comunais, como família, escola e Estado”, portanto “Deus ordenou cada uma dessas esferas de atividade como parte da ordem original. Juntas, elas constituem a comunidade da vida.”3 O gráfico abaixo esboça essa posição:

   


Nessa posição, a família, o indivíduo e a igreja são esferas independentes do Estado, pois existem sem este, derivando sua autoridade somente de Deus. O papel do Estado é mediador intervindo quando as diferentes esferas entram em conflito entre si ou para defender os fracos contra o abuso dos demais. Deste modo, a convicção que está por trás desta posição foi assim expressa por Abraham Kuyper: “Na extensão total da vida humana não há nenhum centímetro quadrado acerca do qual Cristo, que é o único soberano, não declare: Isto é meu!”.4

Abaixo, é oferecido um desenvolvimento dessa posição por meio de algumas premissas que podem guiar o entendimento evangélico da relação entre o cristão e a política:5

Em primeiro lugar, afirma-se a distinção entre igreja e Estado, lembrando que toda autoridade procede de Deus. As tarefas da igreja e do Estado são de dois tipos e são distintas, não podendo ser confundidas. Deus instituiu o governo civil para nosso benefício a fim de refrear o mal e promover o bem (Rm 13.1-7; 1Pe 2.13-17), e deve haver distinção entre aquilo que é governado pela igreja e aquilo que está sob a autoridade do governo civil (Mt 22.21). A existência do Estado deve ser reconhecida como um dom e uma ordem de Deus. Portanto, os que assumem cargos públicos devem reconhecer que sua autoridade é delegada. O governo estabelecido por Deus é mediado pelo povo, que elege seus governantes. Estes são eleitos para servir ao povo, ao mesmo tempo em que cumprem suas tarefas com senso de dever, pois sabem que darão contas de seus atos perante uma autoridade maior.

Em segundo lugar, rejeita-se o conceito de soberania absoluta do Estado e o conceito de soberania absoluta do povo. Para a fé cristã, o poder reside em Deus e em Cristo, que é o Senhor de todo poder e autoridade (Ef 1.21,22) e “o soberano dos reis da terra” e “REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 1.5; 19.16), comandando todas as esferas sociais. Somente Deus detém o poder absoluto: “Porque o SENHOR é o nosso juiz; o SENHOR é o nosso legislador; o SENHOR é o nosso rei; ele nos salvará” (Is 33.22). Portanto, Deus é a fonte final da lei e de toda autoridade. Logo, prestar fidelidade ou lealdade absoluta ao Estado é idolatria (Dn 3.1-30), pois é Deus quem estabelece o certo por meio de sua lei, portanto deve-se compartilhar a lei de Deus por meio da mudança das estruturas sociais. Por isso que, na mesma medida em que as leis estabelecidas numa nação devem ser derivadas da lei de Deus, essas leis devem ser aplicadas a todas as pessoas, incluindo os governantes. Mesmo numa nação que não é cristã, pode-se apelar à lei de Deus escrita na criação e gravada na consciência dos seres humanos, que é coincidente com a lei revelada. Portanto, numa nação, não há ninguém que esteja acima da lei (Dt 17.18-20). Esse é o princípio da lex rex (a lei é o rei), que se opõe ao princípio despótico da rex lex (o rei é a lei).6  Como Calvino escreveu:

O Senhor, portanto, é o Rei dos reis, e a ele devemos ouvir acima de todos tão logo abra sua boca. De forma secundária, devemos estar sujeitos aos homens que têm preeminência sobre nós, mas somente sob a autoridade de Deus. Se as autoridades ordenarem algo contra o mandamento de Deus, devemos desconsiderá-lo completamente, seja quem for o mandante.7 

Em terceiro lugar, Deus delega autoridade tanto ao governante quanto às pessoas. Ao ocupar um cargo de autoridade, nenhum homem tem poder sobre outro, a não ser quando essa capacidade é delegada por Deus. Mas essa autoridade é relativa e revogável. Por isso, os cristãos devem opor-se a todo sistema político totalitário. Mais do que um direito, isto é um dever (Êx 1.17,21; Dn 3.18; 6.10; Et 4.16; Mt 2.8,12; At 4.18,20; 5.29). A fé cristã honra as autoridades, embora negue ao Estado o direito de intervir em matérias de culto, doutrina e ética. O respeito à autoridade é necessário, mas jamais ao custo da liberdade de consciência, pois somente Deus é o único Senhor. Neste sentido, “no momento em que os magistrados vão além dos limites de sua autoridade, (...) tornam-se semelhantes aos ladrões, usurpadores e violadores”.8  Já que a autoridade não é algo intrínseco ao governante, mas delegado por Deus, os cristãos devem resistir, pelos meios corretos e legítimos, a quem exerce a autoridade política contra a vontade de Deus. Assim sendo, para a tradição reformada, o governo é governo legítimo quando e na medida em que é servo de Deus. Assim, não devemos identificar um governo, de forma direta e automática, com a vontade de Deus.9  Nesse sentido, a resistência ao Estado que faça mau uso da autoridade que lhe foi delegada deve ser entendida como desobediência civil.10  Desde que exercido dentro de limites aceitáveis, esse é um mecanismo legítimo a que tem direito todo cidadão e, de forma específica, todo cristão, quando em confronto com um Estado totalitário que interfere na esfera litúrgica, doutrinária ou ética, e requer para si o que equivale à adoração (Ap 13.1-18). Portanto, a “rebelião contra os tiranos é obediência a Deus” (Rebellion to tyrants is obedience to God).

Em quarto lugar, nenhuma ideologia é absoluta nem pode ser confundida com o evangelho. Com acerto, aDeclaração Teológica de Barmen afirma: “Rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes”.11  Sempre que cristãos identificam determinada ideologia com o reino de Deus ou com a mensagem bíblica, essa mensagem não apenas foi distorcida, como também acabou sendo obliterada. Por outro lado, a igreja deve manter vigilância sobre o Estado. Não se pretende com isso substituir o sermão baseado na Escritura pelo discurso político. Adorar a Deus, proclamar sua Palavra e ministrar os sacramentos é a principal tarefa da igreja, além da qual não existe outra. Ao proclamar com fidelidade a Palavra de Deus, a Igreja influencia o Estado, fazendo com que suas leis se conformem com a vontade de Deus. De tal fidelidade ao chamado primário da comunidade cristã decorrem consequências políticas e sociais na sociedade.

Em quinto lugar, o realismo cristão ressalta que a corrupção na política tem origem primariamente no coração dos seres humanos. Se a doutrina da criação afirma a dignidade humana, o ensino bíblico sobre a queda afirma a corrupção humana. Os pecados individuais se tornam pecados estruturais, tais como idolatria, egoísmo, violência, despotismo, corrupção; estes acabam por afetar as estruturas do poder constituído. Por isso, a igreja cristã “prega uma conversão interior dos governantes e dos governados a Deus”, crendo que, a partir do arrependimento e quebrantamento pessoal, as estruturas serão limpas de iniquidades.12  Um ponto importante que se deve destacar aqui é que a “corrupção da chamada classe política” deve ser interpretada como “um reflexo da sociedade, pois a sociedade é corrupta e isso inclui a igreja”. Com consternação, constata-se que “o povo de Deus deveria ser um exemplo de conduta e obediência, mas nossas ações revelam que não somos muito diferentes da sociedade em geral”.13  Acabamos por reproduzir os pecados da sociedade, em vez de influenciá-la, santificando-a.

Por outro lado, a revelação geral e a graça comum ensinam que “há princípios que, se aplicados, produzirão a ética na política.” Essas são as doutrinas que proporcionam a base dos valores éticos em pessoas que não são cristãs. Portanto, “o caminho para a ética na política” não passa pela conversão de todos ao cristianismo, nem consiste “em colocar em cargos políticos quem se professa cristão”, mas em “contribuir para que a lei de Deus seja reconhecida” por todos.14  Por isso, podemos cooperar com incrédulos como cobeligerantes na esfera política, lutando contra males aos quais também nos opomos.

O fundamento da cobeligerância é a área de consenso ético que tem por base a Escritura: por exemplo, homicídio, adultério, furto e “falso testemunho” são moralmente errados (Êx 20.13-16). Na esfera política, pode-se servir pontual e transitoriamente com pessoas, grupos, movimentos, organizações e instituições que convirjam em termos de valores éticos cristãos.15  A Igreja mantém sua independência e identidade, tendo a Escritura como padrão e o Espírito Santo como fonte de discernimento, assim como a confissão de fé e catecismos como “fiel exposição do sistema de doutrina, ensinado nas Escrituras".16  

Em sexto lugar, por causa do pecado na sociedade, a república se torna não apenas o melhor sistema, mas o sistema mais viável. A forma de governo que mais se aproxima do modelo bíblico é a república, na qual a nação é governada pela lei constitucional e administrada por representantes eleitos pelo povo. Porque somente Deus concentra em si todo o poder (Is 33.22), deve haver a divisão e a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, de modo que nenhum governo ou ramo do governo monopolize o poder. Assim, a república se torna o melhor sistema, pois é a salvaguarda das liberdades individuais, “designada para fragmentar o poder político, de modo que ele não possa ameaçar as vidas, liberdades e propriedades".17  Portanto, devido à inclinação humana para a injustiça, advinda do pecado, a república torna-se necessária; e devido à inclinação humana para a justiça, capacitada pela graça comum, a república torna-se possível. Como disse Winston Churchill, talvez o mais importante político do século XX: “Muitas tentativas foram feitas para diferentes formas de governo, e muitas ainda serão tentadas neste mundo de pecado e dor. Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.18

Portanto, em conclusão, os cristãos defendem os fatores que definem uma república, que são aqui esboçados e que podem ser deduzidos ou inferidos da Escritura:

•    Ênfase nas funções primordiais do Estado, em que os governantes têm a obrigação de zelar pela segurança do povo, afinal, para isso pagamos impostos (Rm 13.1-7);
•    Limitação da extensão e do poder do Estado, pois, a partir das Escrituras, entende-se que o governo não tem autoridade para estabelecer impostos exorbitantes, redistribuir propriedades ou renda ou confiscar depósitos bancários;
•    Separação e cruzamento fiscalizador (freios e contrapesos) entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, para que nenhum poder possua poderes absolutos, e para que sempre haja entre os poderes separação, independência e harmonia;
•    Lembrar que o papel do Estado não é igualar a todos, mas dar oportunidade de ascensão social a todos, investindo e promovendo educação e serviços médicos de qualidade;
•    Apoio a associações e organizações que promovam a justiça em todos os aspectos da vida, especialmente aos marginalizados e oprimidos (Jr 22.3; Tg 1.27; 2.1-10; 5.1-8).19
•    Promoção de uma ética protestante do trabalho, que “é um conjunto de virtudes econômicas [fundamentadas na Escritura]: honestidade, pontualidade, diligência, obediência ao quarto mandamento — ‘seis dias trabalharás’, obediência ao oitavo mandamento — ‘não furtarás’, e obediência ao décimo mandamento — ‘não cobiçarás’”, reconhecendo que a ênfase no “trabalho produtivo origina-se da Bíblia e da Reforma”;20
•    Direito à propriedade privada como direito fundamental (Êx 20.15,17; 1Rs 21.1-29);21
•    Alternância do poder civil, que impede que um partido ou autoridade se perpetue no poder, assim como a defesa do pluralismo político e partidário;
•    Centralidade do contrato social, que é um acordo entre os membros de uma sociedade pelo qual reconhecem a autoridade sobre todos de um conjunto de regras; a constituição, que limita o poder, organiza o Estado e define direitos e garantias fundamentais;
•    Garantia das liberdades individuais, por meio do estabelecimento de normas gerais de conduta, que redundem em liberdade de expressão, associação e de imprensa;
•    Voto distrital para o poder legislativo, em que o país ou o estado é dividido em distritos eleitorais com aproximadamente a mesma população; cada distrito elege um deputado e, assim, completam-se as vagas no congresso e nas câmaras estaduais.22

Esses são o conjunto de princípios que a tradição reformada tem afirmado ao tratar da relação dos fiéis e da comunidade cristã com o Estado. Que, à luz desse ensino, os cristãos orem e intercedam pelos governantes, “para que tenhamos uma vida tranquila e serena, em toda piedade e honestidade” (1Tm 2.1-3).

O Estado não é a solução última (ou penúltima) para a sociedade, pois o melhor que o Estado pode fazer é refrear a injustiça causada pelo pecado. A salvação somente é encontrada em Deus e em Jesus Cristo. Portanto, o papel da igreja é proclamar essa salvação como a única solução final para a sociedade: “Porque o SENHOR é o nosso juiz, o SENHOR é o nosso legislador, o SENHOR é o nosso Rei; ele nos salvará” (Is 33.22).

Fonte: www.teologiabrasileira.com.br

VINHO NOVO EM ODRES NOVOS



O odre era um saco de pele de animal costurada que servia de recipiente para guardar líquidos como água (Gn 21.14,15,19), leite (Jz 4.19) e vinho (Js 9.4). Mas deveria ser usado especificamente para cada coisa separada para não deixar sabor de leite no vinho ou deste na água por exemplo.

O odre envelhece com o tempo. O couro encolhe e enruga. O sabor do vinho velho ou de qualquer outra mistura pode estragar o vinho novo. Mas o vinho novo é mais ácido e pode corroer o odre. Além disso, o vinho novo vai liberando gases com o tempo e esticando o couro, então o se o odre já estiver velho pode estourar. Por isso Jesus disse que “vinho novo deve ser posto em odres novos [e ambos se conservam]” (Lc 5.38).

Um dos animais mais usados para fazer odres do seu couro era a ovelha, além do cabrito. Sua pele era retirada cuidadosamente e depois de um pouco cozida exposta na fumaça (Sl 119.23) era costurada bem apertado deixando apenas o pescoço aberto para inserir os líquidos e depois ser amarrado.

O odre da pele de ovelha representa a nossa carne fraca (Mc 14.38) que precisa ser arrancada de nós para não vivermos mais para nós mesmos e sim para Deus (Gl 2.20-22). O Espírito Santo quer habitar em nós e nosso corpo deve ser templo do Senhor (I Co 3.16), mas nossa carne corruptível não suporta o poder de Deus (I Co 15.50).
Portanto, estar em Cristo é nascer de novo, do Espírito Santo e ser novas criaturas. Paulo disse em Rm 5.5 que, a  "...esperança não nos deixa decepcionados, pois Deus derramou o seu amor no nosso coração, por meio do Espírito Santo, que ele nos deu". O Espírito Santo não poderia ter sido derramado na Velha Aliança. Lá ninguém recebia o Novo Nascimento. Somente agora na Nova Aliança Deus derramou sua Lei - o amor, com o derramar do Espírito sobre Novas Criaturas e recebemos a capacidade para obedecer a Deus.

 PR. WELFANY NOLASCO RODRIGUES

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

VERDADEIRA HISTÓRIA SOBRE A ORIGEM DOS DEMÔNIOS. by CONEXÃO NEFILIN

Uma das passagens mais controversas da Bíblia é Gênesis 6. Mas creio que ela nos descortina um pouco mais o drama vivido por nossos primeiros pais. Vejamos o que ela diz:

“Como os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Então disse o Senhor: Não permanecerá o meu Espírito para sempre com o homem, pois este é mortal; os seus dias serão cento e vinte anos. Havia naqueles dias gigantes na terra, e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Estes foram valentes, os homens de renome que houve na Antiguidade”. Gênesis 6:1-4

Repare que tal evento se deu logo no início da saga humana, quando os homens começaram a se multiplicar. Portanto, não é algo que aconteceu muito depois da Queda. O Livro dos Jubileus diz que os Anjos Guardiões vieram nos dias de Jared, cerca de quinhentos anos depois da criação, com o objetivo de instruir aos homens.[1]Creio que o fato do homem ter optado pela Árvore do Conhecimento do bem e do mal, deu tal prerrogativa aos Anjos Guardiões.

Embora a morte já fosse uma realidade para os homens, Deus, por misericórdia, mantinha neles o Seu Espírito, razão pela qual eram tão longevos.[2] Algo aconteceu que fez com que Deus decidisse limitar a longevidade humana. O texto diz que “viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente” (v.5). Permitir que o homem fosse longevo naquela situação, seria quase tão grave quanto permitir que ele vivesse eternamente no pecado. A raça humana precisava de um freio.[3] O que ocasionou tamanha maldade? O contato da raça humana com anjos caídos.

A expressão “filhos de Deus”, traduzida do hebraico Bene ha-Elohim, é aplicada no Velho Testamento exclusivamente a anjos. Como por exemplo, no Livro de Jó, quando Deus lhe perguntou: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? (...) quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus (bene ha-Elohim) rejubilavam?” (Jó 38:4a,7). Os“filhos de Deus” que rejubilavam enquanto assistiam à criação da terra eram os anjos. Muitas outras passagens reforçam essa ideia.

No verso 4 de Gênesis 6 eles são chamados de “gigantes”, que é traduzido do termo hebraico Nefilim, que significa literalmente “os que caíram”. Esses anjos receberam a autorização de Deus para conviver com a raça humana, com o objetivo de ensinar-lhe todo tipo de ciência. Foi a Queda de primeiro casal que abriu espaço para a atuação desses seres angelicais. Adão e Eva optaram pelo conhecimento do bem e do mal. Em vez de confiar em Deus, preferiram dar ouvidos à serpente. O Diabo tornou-se o príncipe deste mundo, e trouxe para cá toda a sua corte. [4]

O livro de Enoque, que durante muito tempo figurou entre os livros canônicos[5], e que é citado nas Escrituras na Epístola de Judas, aborda esse contato entre a raça humana, e raça angelical. De acordo com ele, aqueles anjos “escolheram cada um uma mulher, e se aproximaram e coabitaram com elas; ensinaram-lhes a feitiçaria, os encantamentos, e as propriedades das raízes e das árvores”(7:10). Esses anjos ensinaram aos homens “o fabrico de espadas, facas, escudos, couraças” (8:1).

Por causa dessa corrupção, disse o Senhor: “Não permanecerá o meu Espírito para sempre com o homem, pois este é mortal”(Gn.6:3a).

A raça humana foi expulsa do paraíso. Perdeu a comunhão com seu Criador. Preferiu o conhecimento oculto, guardado pelos anjos guardiões, à vida eterna garantida pela comunhão com a Árvore da Vida. Ela deixou de ser um ramo da Árvore da Vida, para ser um ramo de uma árvore maligna.

A união entre homens e anjos gerou uma raça caída (Nefilim), que teria que ser destruída pelo Dilúvio, mas cujos espíritos ainda perambulariam entre os humanos, até o fim dos tempos. Esses espíritos, resultado da união entre duas raças distintas, tornaram-se os demônios.

Enoque relata que “os gigantes (Nefilins), que são o preço do comércio do espírito e da carne, serão chamados, na terra, de maus espíritos e sua morada será na terra (...) Os espíritos dos gigantes serão como as nuvens que trazem à terra os flagelos de toda espécie, a peste, a guerra, a fome, e o desgosto. Não beberão, nem comerão, invisíveis a todos os olhos, insurgir-se-ão entre os homens e as mulheres, porque receberam nos dias de destruição e massacre” (14:8a,9-10).

E quanto aos anjos que caíram? Enoque afirma que eram em número de duzentos (7:7). E o que a Bíblia diz sobre o destino deles? Judas diz que “aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, ele os tem reservado em prisões eternas, na escuridão, para o juízo do grande dia” (Jd.6). Judas diz que, a exemplo dos moradores de Sodoma e Gomorra, esses anjos se prostituíram, indo “após outra carne” (v.7). Pedro também relata o destino desses anjos: “Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo” (2 Pe.2:4).

A convivência dos homens com esses seres provocou uma revolução no campo das ciências. A raça humana deu um salto extraordinário, em um curtíssimo espaço de tempo; fato que tem sido comprovado cientificamente. É desconcertante para os cientistas céticos, admitirem não haver qualquer explicação plausível para o enorme salto tecnológico dado pela humanidade há alguns poucos milênios. Grandes descobertas arqueológicas, como os monumentos megalíticos[6] espalhados pelo mundo afora, comprovam isso. Sem falar das pirâmides, não apenas no Egito, mas espalhadas pelas Américas e pela Ásia.

Voltando ao texto de Gênesis 6, lemos que “havia naqueles dias Nefilins na terra, e também depois, quando os anjos coabitaram com as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos”. A expressão “também depois” pode ser interpretada de duas maneiras igualmente plausíveis. Pode-se entender que os Nefilins já conviviam com os humanos antes que as filhas dos homens lhes dessem filhos. E também se pode inferir que houve incursões angelicais posteriores ao Dilúvio. Isso explicaria o aparecimento de raças gigantes na Terra ainda nos dias de Moisés, até os dias de Davi. Ambas as posições podem estar certas. Embora os primeiros Nefilins que tomaram mulheres como esposas tenham sido sentenciados por Deus a serem presos no inferno, aguardando o dia do Juízo, Satanás ainda contava com a terça parte dos anjos que tomaram parte de sua rebelião. De acordo com Enoque, foram duzentos os anjos que tomaram para si mulheres. Muito maior número de anjos Satanás teria ainda a seu dispor.

A prole maldita, fruto do casamento entre os anjos e as mulheres, foi condenada a viver como espíritos malignos (demônios), a semente da serpente, que contenderia com a raça humana, aguardando para ser pisada por Aquele que seria a “semente da mulher”. Assim como pela “mulher” veio a descendência maldita dos anjos caídos, por uma mulher viria o Filho de Deus para desfazer as obras do Diabo.

É bom frisarmos que nada disso aconteceu sem a permissão de Deus. Por trás de tudo isso, havia um plano soberano, cujo objetivo seria revelar ao homem o poder da graça e do amor de Deus.
Ao sentenciar à serpente, Deus declarou: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e o seu descendente; este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn.3:15). Os demônios, frutos da conjunção entre anjos caídos e mulheres, são a descendência da serpente. Cristo é o descendente da mulher, que veio para esmagar a cabeça da serpente, e destronar os seus descendentes.

Os espíritos malignos que hoje ainda se manifestam nos corpos dos homens, não são de anjos caídos, como muitos imaginam. Até porque, não há na Bíblia qualquer menção a um anjo que tenha incorporado em alguém. Os tais espíritos, que conhecemos como demônios, são, na verdade, aqueles espíritos resultado da relação entre a raça humana e a raça angelical. Eles são como parasitas, que encostam nas pessoas, para sugar-lhes as energias, e utilizar-se delas para promover seus intentos destruidores. Estão a serviço de Satanás, o Querubim rebelde.

É sensato supor que o propósito dos anjos caídos era o de poluir o sangue humano, impedindo assim que a profecia se cumprisse, e o Descendente da mulher viesse destruí-los.

Para acabar com a farra dos anjos, de seus filhos gigantes, e dos homens ímpios, Deus enviou o Dilúvio. A decisão de Deus era destruir de sobre a face da terra o homem e todos os seres vivos. Entretanto, Sua Palavra não poderia ser invalidada. E quanto ao Descendente da Mulher? E quanto Àquele que esmagaria a cabeça da serpente? A linhagem que o traria ao mundo tinha que ser preservada. Teria que ser uma linhagem que não houvesse se contaminado com os anjos caídos.[7]
Foi em Noé que Deus achou o homem através do qual a linhagem humana seria preservada. De acordo com o texto sagrado, Noé“achou graça aos olhos do Senhor”. O fato é que ele era “homem justo e perfeito em suas gerações, e andava com Deus”, enquanto que a terra inteira “estava corrompida diante de Deus, e cheia de violência”, pois “todas as pessoas haviam corrompido o seu caminho sobre a terra” (Gn.6:8-9,11-12). Ser “perfeito em suas gerações” equivale a ter sua genealogia intacta, sem a presença da semente maligna.

O título predileto usado por Jesus para referir-Se a Si mesmo era “Filho do Homem”. Esse título é extraído diretamente do Livro de Enoque, onde o encontramos com enorme freqüência. Ao declarar-Se Filho do Homem, Jesus estava ressaltando o fato de que Sua humanidade é pura, e Seu sangue não havia sido contaminado pelos Nefilins. Esta é a razão pela qual as Escrituras dão tamanha importância à genealogia do Messias. Embora Jesus seja 100% Deus, em Sua humanidade Ele é 100% homem. Sua humanidade é tão pura quanto a de Adão, daí Ele ser chamado de “o segundo Adão”.

Versões diferentes da Interferência Angélica na Raça Humana

Esse evento bizarro encontra eco nas lendas e mitos da cada cultura antiga do planeta. Gregos, egípcios, hindus, índios, e praticamente todos os demais povos contam acerca do envolvimento de seres humanos com seres celestiais. Flavio Josefo, o grande historiador judeu do século I, faz paralelos entre o fato bíblico e a mitologia greco-romana. O texto de Gênesis diz que os seres híbridos engendrados pelos anjos “foram valentes, os homens de renome que houve na Antiguidade” (Gn.6:4b). A mitologia não deve ser entendida como mera invenção do gênio humano. Ela surge no solo fecundo das tradições, das lendas, que nada mais são do que fatos corrompidos de verdades primitivas. É muito comum encontrarmos lendas como a de Hércules, fruto do casamento entre Zeus e uma mulher. Assim como é comum encontrarmos lendas sobre o dilúvio. Esses são pontos convergentes em todas as tradições religiosas do mundo.

Em praticamente todas as culturas antigas pode-se encontrar histórias semelhantes sobre a presença de “deuses”. Entre os egípcios, encontramos Ísis e Osíris. Entre os povos da Índia e do Tibete, encontramos lendas sobre a cidade de Shambala e os “Budas” ou “deuses” que teriam trazido ciência e sabedoria para os seus povos. A intromissão dos Nefilins entre as diversas culturas da terra explicaria, por exemplo, como a civilização Asteca, Inca e Maia adquiriu tanto conhecimento nas diversas áreas científicas, sendo capazes de produzir sofisticados calendários e mapas estelares.

Alguns templos de origem asteca foram dedicados a dois seres que localmente eram chamados de "deuses" e que teriam vivido num período estimado entre 300 a 900 d.C. De acordo com a lenda contada, estes dois "deuses" - um homem e uma mulher teriam vindo para Terra com outros deuses e começaram a ensinar os nativos como eles poderiam construir uma grande civilização. Estes “deuses” ficaram entre os nativos por um grande período de tempo, ensinando-os matemática, ciência, astronomia além de outros conhecimentos. Então, antes que os dois "deuses" retornassem à sua "casa", um outro grupo de diferentes "deuses" teriam aparecido em cena. Segundo a lenda, houve um grande conflito entre eles e os dois “deuses” presentes foram mortos. Enlutados com sua morte, os nativos sepultaram seus "deuses" mortos na principal pirâmide que eles haviam ajudado a construir. Esqueletos bizarros, com crânios bem maiores do que o normal, foram encontrados nessa pirâmide.

Lendas sobre Viracocha, divindade adorada pelos Incas, dizem que os primeiros seres que ele criou, chamados huari ruma, seriam gigantes, que vivam na época conhecida como Naupa Pacha (“o tempo dos ancestrais”). Os indígenas locais afirmam que os naupas viveram muito antes dos incas, ensinando coisas aos homens e, quando foram embora, “subiram ao céu e nunca mais voltaram”.[1]

Outro exemplo interessante é dos Sumérios. Sua astronomia era incrivelmente avançada: seus observatórios obtinham cálculos do ciclo lunar que diferiam em apenas 0,4 segundos dos cálculos atuais. Na colina de Kuyundjick, antiga Nínive, foi encontrado um cálculo, cujo resultado final, em nossa numeração, corresponde a 195.955.200.000.000. Um número de quinze casas! Enquanto os sofisticados gregos, no apogeu do seu saber, não passaram do número 10.000, considerando qualquer número a mais como sendo o "infinito". Na cidade de Nipur, 150 km ao sul de Bagdá, foi encontrada uma biblioteca sumeriana inteira, contendo cerca de 60.000 placas de barro com inscrições denominadas: cuneiformes. Lâminas de argila sumérias têm informações precisas sobre os planetas do sistema solar. O mais impressionante são os dados sobre Plutão (Planeta que só foi descoberto em 1930!). Eles sabiam o tamanho de Plutão, sua composição química e orgânica e afirmavam que Plutão era na verdade uma lua de outro planeta do Sistema Solar que se "desprendeu" e ganhou uma nova órbita (hipótese que tem sido levantada entre pesquisadores da NASA). Eles chamavam a Lua de pote de chumbo e diziam que seu núcleo era uma 'cabaça' de ferro. Dados que foram confirmados pela NASA, durante o programa Apolo. Como tal conhecimento poderia ser possível há 3.000 anos? Os Sumérios alegavam ter recebido tal conhecimento dos “deuses” que vieram do céu. Segundo eles, esses seres tinham uma expectativa de vida de 20.000 anos, período completamente incompreensível para os nossos padrões, e eram homens gigantes. Esses “deuses” misturaram-se com os humanos, gerando assim novas raças e etnias, conhecidos por eles como os "filhos dos Deuses". Será tudo isso coincidência?

Como a Igreja Primitiva interpretava Gn.6?



A igreja primitiva não tinha qualquer dificuldade em identificar os Bene ha-Elohim como anjos caídos. Entre os primeiros pais da igreja, podemos citar Justino, Atenágoras, Cipriano, Eusébio, e entre os judeus, podemos citar Josefo, o grande historiador, e Philo. Antigas fontes rabínicas, bem como os tradutores da Septuaginta, eram unânimes nesse ponto de vista. 

Ainda no século II, Justino Mártir atribuía toda maldade aos demônios, que segundo ele, eram os filhos dos anjos que caíram devido à sua cobiça pelas filhas dos homens. Veja o que ele diz em sua Segunda Apologia:

“Eles (Nefilins) subverterem a raça humana por meio de escritos mágicos e do medo que nela instilaram, por meio de punições à humanidade, instruindo os homens no uso de sacrifícios, incenso e libações das quais precisariam depois de se tornarem escravos de suas lascivas paixões. Engendraram assassinatos, guerras, adultérios e todos os tipos de dissipações e todas as espécies de pecado”.[8]

Em sua obra Legatio, escrita em torno de 170 d.C., Atenágoras apresenta os anjos que “violaram a sua natureza e a sua missão”, e ainda comenta o paralelismo entre a verdade das Escrituras, e as versões da Mitologia:

“Os que buscaram mulheres fizeram nascer os chamados gigantes. Não se surpreenda se um registro parcial sobre eles tiver também sido feito pelos poetas. A sabedoria mundana e a sabedoria profética diferem entre si como a verdade da probabilidade – uma é celestial, a outra é terrena (...) Estes anjos, então, que caíram do céu ocuparam-se com o ar e a terra e não mais conseguiram elevar-se até os reinos do céu. As almas dos gigantes são os demônios que vagueiam pelo mundo. Tanto anjos como demônios produzem movimentos [isto é, agitações, vibrações] – demônios produzem movimentos similares às naturezas que receberam, e anjos movimentos similares à luxúria pela qual foram possuídos”.[9]

Tertuliano (160-230 d.C), muito admirado nos círculos teológicos, afirmou:

“Com relação aos detalhes sobre como os anjos, pela sua própria vontade, perverteram-se e constituíram então a fonte da raça corrupta dos demônios, uma raça amaldiçoada por Deus juntamente com seus originadores e aquele que mencionamos como seu líder. O registro destes acontecimentos é encontrado na Sagrada Escritura”.[10]

Tertuliano chega a citar uma prática comum na igreja primitiva, de renunciar na cerimônia de batismo, a influência dos anjos caídos.[11]

Clemente de Alexandria (150-220) fala acerca dos anjos “que renunciaram à beleza de Deus em troca da beleza que se desvanece, caindo assim do céu para a terra”.[12] Na obra conhecida como “As Homilias de Clemente”, lemos que os anjos “modificaram-se, assumindo a natureza de homens” e compartilharam a luxúria humana.[13]

Foi Júlio Africano (200-245 d.C., contemporâneo de Orígenes) que introduziu a teoria de que os “filhos de Deus” seriam os descendentes de Sete, e as filhas dos homens seriam as descendentes de Caim. Ciro de Alexandria também repudiou a posição ortodoxa predominante entre seus contemporâneos. Jerônimo (348-420),Crisóstomo (346-407) também fizeram coro com a nova teoria. Mas foi Agostinho (354-430) quem desferiu o golpe definitivo contra a antiga crença, abraçando a teoria de que os filhos de Deus seriam, de fato, os filhos de Sete. A posição de Agostinho prevaleceu por toda a Idade Média, até os dias de hoje.

Convém salientar os motivos que levaram Agostinho a abolir a crença de que os anjos houvessem caído em luxúria com as mulheres. Durante o tempo de seu ministério, Agostinho teve de enfrentar um grave problema causado pela grande popularidade dos anjos: As pessoas estavam prestando-lhes culto, oferecendo-lhes sacrifícios e orações. A situação já estava fora de controle. Por essa razão, Agostinho procurou reduzir os anjos à forma mais abstrata possível, pregando publicamente:

«Legítimos habitantes das moradas celestes, os espíritos imortais, felizes pela posse do Criador, eternos por sua eternidade, fortes de sua verdade e santos por sua graça, tocados de compulsivo amor por nós, infelizes e mortais, e desejosos de partilhar conosco sua imortalidade e beatitude, não, querem que sacrifiquemos a eles, mas Àquele que sabem ser, como nós, o sacrifício [ou seja, Jesus Cristo]. Porque somos com eles uma só Cidade de Deus.»; «Quanto aos milagres, sejam quais forem, operados pelos anjos ou por qualquer outro modo, se se destinam a glorificar o culto da religião do verdadeiro Deus, princípio único da vida bem aventurada, devem ser atribuídos aos espíritos que nos amam com verdadeira, é preciso acreditar ser o próprio Deus quem neles e por eles opera.»; «... Aquele cuja palavra é espírito, inteligência, eternidade, palavra sem começo e sem fim, palavra ouvida em toda a pureza, não pelos ouvidos do corpo, mas do espírito, por intermédio de seus ministros, enviados que gozam de sua verdade imutável, no seio de eterna beatitude, palavra que lhes comunica de maneira inefável as ordens que devem transmitir à ordem aparente e sensível, ordens que executam sem demora e facilmente.»; «Assim, mostram-nos os anjos fiéis com que sincero amor nos amam; com efeito, não é à sua própria dominação que querem submeter-nos, mas ao poderio daquele que são felizes de contemplar, soberana beatitude a que desejam cheguemos também e de que não se apartam.»[2]

Eis as razões sinceras, porém, equivocadas, que levaram o grande teólogo do IV Século a aderir à teoria da descendência setita.

Vamos analisar cuidadosamente as premissas desta teoria.

De acordo com essa posição, os filhos de Deus são identificados como os filhos de Sete, pelo fato de esses constituírem a boa linhagem de onde viria o Messias. Já a descendência de Caim não tinha temor de Deus, e era conhecida por sua impiedade. Se os filhos de Deus eram os filhos de Sete, e as filhas dos homens eram as filhas de Caim, como a união entre essas duas linhagens pôde produzir gigantes? Não conheço qualquer caso de casais onde o marido é crente e a esposa incrédula que tenha produzido filhos gigantes, ou mesmo, uma descendência maligna. Pelo contrário. O apóstolo Paulo diz que “o marido incrédulo é santificado pela mulher, e a mulher incrédula é santificada pelo marido crente. Doutra sorte os vossos filhos seriam impuros, mas agora são santos” (1 Co.7:14).

Quanto à alegação de que a linhagem de Sete era uma “linhagem bondosa” carece de qualquer respaldo bíblico. Se fosse “bondosa” não teria se envolvido com uma “linhagem perversa”, como a de Caim. Nunca houve, nem haverá entre os humanos uma linhagem bondosa. O que houve foi uma “linhagem messiânica”, pela qual veio o Messias. Entretanto, essa “linhagem” é bem “maldosa”, se quisermos ser honesto com o relato bíblico. Não é à toa que encontramos a árvore genealógica de Jesus em Mateus e em Lucas. Em Sua linhagem encontramos de tudo. Desde Judá, um fornicário (Gn.38), passando por Perez, filho ilegítimo, Raabe, prostituta, Bateseba, adúltera (Mt.1:1-6), e algumas outras figuras, no mínimo, controversas.

Embora tenha vindo de uma linhagem de pecadores, Jesus nasceu sem pecado, pois Seu DNA foi produzido pelo Espírito Santo, no ventre de uma virgem chamada Maria. De Maria, Deus aproveitou o cromossomo X, puro, sem a contaminação dos genes angélicos. Do Espírito Santo veio o cromossomo Y, que gerou o corpo no qual Deus habitou entre nós.

O principal argumento contra o envolvimento sexual entre os anjos e as mulheres é tirado de uma passagem neo-testamentária, em que Jesus afirma que no céu todos seremos como os anjos, que não se casam, nem se dão em casamento. Concluiu-se, daí, que os anjos são seres assexuados, e que, portanto, não poderiam ter coabitado com as mulheres, nem tampouco lhe dado filhos.

Mas basta um exame mais acurado do texto (Mt.22:30), e veremos o que realmente Jesus quis dizer. Ele disse: “Na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento; serão os anjos de Deus no céu”. Repare o detalhe “no céu”. De fato, no céu, os anjos são seres espirituais, que não podem se casar, ou manter qualquer tipo de atividade sexual. Entretanto, somos informados por Judas que esses anjos “deixaram a sua própria habitação” (Jd.6). Ao descer à terra, eles assumiram corpos físicos, bem semelhantes aos dos seres humanos.

A bem da verdade, não existe um anjo nas Escrituras que seja assexuado. De Gênesis a Apocalipse, os anjos se apresentam como “varões”[14]. De acordo com os relatos bíblicos, os anjos aparecem, na maioria das vezes, como homens de carne e osso, podendo ser tocados por mãos humanas; comem o mesmo alimento dos homens, e são capazes de combate físico direto, como no caso ocorrido com Jacó. O escritor de Hebreus chega a afirmar que muitos, sem se darem conta, “hospedaram anjos” (Hb.12:2).

Em Gênesis 18, encontramos três anjos enviados por Deus a Abraão. Eles, não apenas foram recebidos com honra pelo patriarca, como também participaram de um verdadeiro banquete. Bezerro assado, pão, coalhada, leite, foram algumas das iguarias que “eles comeram” (Gn.18:8).

Alguém poderá alegar: Entre comer e ter relações sexuais há uma grande distância.

De fato, os anjos são espíritos, mas que possuem também uma estrutura “carnal”. Ainda que seja “outra carne”, conforme lemos em Judas 7. Neste texto, Judas relata o que aconteceu em “Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas que, havendo-se prostituído como aqueles (anjos), e ido após outra carne (a dos anjos), foram postas como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno” (Jd.7).

Que cidades circunvizinhas eram essas? As que Josué, mais tarde, teve que destruir. Somos levados a crer que houve outras incursões de anjos caídos no mundo após o Dilúvio. Segundo Enoque, foram duzentos o números dos anjos que tiveram relações com as mulheres. Esses foram aprisionados, e aguardam o dia do Juízo. Entretanto, Satanás seduziu a terça parte das hostes celestiais. Alguns desses anjos desceram à Terra para dar continuidade à sua prole maldita, e ao seu intento de impedir a conclusão do plano de Deus.

Enoque parece fazer alusão a isso no capítulo 85, versos 2 e 4 do seu Livro:

“E ví uma estrela caiu do céu (...) Novamente eu vi em minha visão, e examinei o céu; então vi muitas estrelas descendo, e projetando-se do céu para onde a primeira estrela estava.”



Na sequência do texto, Enoque diz, por meio de uma parábola, que tais “estrelas”, que vieram em uma segunda incursão, foram as responsáveis pela contaminação de algumas civilizações que habitavam a Terra., chamadas ali de elefantes, camelos e asnos. Tais povos teriam sido engendrados por essas criaturas celestiais.

Uma outra passagem parece lançar luz sobre esse fato é Deuteronômio 32:8. Ali, no cântico de Moisés, lemos:

“Quando o Altíssimo repartia as nações, quando espalhava os filhos de Adão ele fixou fronteiras para os povos, conforme o número dos filhos de Deus”[15]

Outra passagem que corrobora com essa está em Deuteronômio 4:19, onde Moisés adverte o povo de Israel: “E não levantes os teus olhos aos céus e vejas o sol, e a lua, e as estrelas, todo o exército dos céus, e sejas impelido a que te inclines perante eles, e sirvas àqueles que o Senhor, teu Deus, repartiu a todos os povos debaixo de todos os céus”.

Fica claro que o próprio Deus distribui as nações, submetendo-as aos Anjos Guardiões (Também chamados de Sentinelas ou Vigilantes). Afinal, Adão havia entregado o mundo a Satanás. Nada mais natural que as nações fossem repartidas entre seus anjos aliados. E isso foi feito com o consentimento de Deus. Por isso, cada nação servia a seus próprios deuses. Baal, Asterote, Dagon e outros ídolos, nada mais eram que seres angelicais, aos quais as nações foram submetidas. O verso 9, porém, diz: “Mas a parte do Senhor foi o seu povo, o lote da sua herança foi Jacó”.

Através de Israel, Deus preservaria uma linhagem santa, que não se macularia com a semente dos Nefilins, para trazer ao mundo o Redentor da Humanidade. Era por isso que os filhos de Israel não podiam se misturar com os habitantes daquelas nações. Todas elas estavam contaminadas pela semente maligna.

É provável que aqueles povos já estivessem familiarizados com a visita dos “deuses”. Foi por isso que os moradores de Sodoma quiseram agarrar à força os anjos que Deus havia enviado a Ló, para tirá-lo de lá, juntamente com a sua família.[16] Eles só não podiam supor que aqueles anjos não eram Nefilins, mas anjos enviados por Deus para trazer juízo àquelas cidades.

Até entre os gregos e romanos contemporâneos dos apóstolos, havia a crença de que os deuses desciam entre os homens, na semelhança humana. Em Atos encontramos a curiosa narrativa de um episódio em que as multidões acreditaram que Paulo e Barnabé eram Júpiter e Mercúrio, deuses da mitologia romana que os estavam visitando. As multidões clamavam: “Fizeram-se os deuses semelhantes aos homens, e desceram até nós” (At.14:11b). Chegaram a ponto de trazerem touros para serem sacrificados a eles. Os apóstolos tiveram que reagir energicamente para dissuadi-los: “Porém, ouvindo isto os apóstolos Barnabé e Paulo, rasgaram as suas vestes, e saltaram para o meio da multidão, clamando: Senhores, por que fazeis essas coisas? Nós também somos homens como vós, sujeitos às mesmas paixões, e vos anunciamos que vos convertais dessas vaidades ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há, o qual nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos. Contudo, não deixou de dar testemunho de si mesmo” (vv.14-17a). Repare que eles chamam os deuses das nações de “vaidade”.

Devemos atentar mais uma vez para o que diz Gênesis 6. O texto diz que havia Nefilins naqueles dias, e também depois deles. Quando Moisés escreveu este relato, a Terra estava infestada de gigantes, uma raça híbrida, fruto da mistura entre anjos e humanos.

Entre as tribos que habitavam Canaã, a Terra Prometida, estavam os Refains, Emins, Horins, Zanzumins, que eram gigantes. O reino de Ogue, rei de Basã, era uma verdadeira “terra dos gigantes”. Mais adiante encontramos Arba, Anaque e seus sete filhos (Anaquins), que também eram gigantes. Sem nos esquecer de Golias e seus quatro irmãos.

Quando Deus revelou a Abraão que a Terra de Canaã lhe seria dada por herança, Satanás teve cerca de 400 anos para plantar ali a semente nefasta dos Nefilins.

Isso nos remete à parábola do joio e do trigo. Jesus conta que “o reino dos céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo. Mas enquanto os homens dormiam, veio o seu inimigo, semeou o joio no meio do trigo e retirou-se” (Mt.13:24-25). Jesus explica que “o campo é o mundo, e a boa semente são os filhos do reino. O joio são os filhos do maligno, e o inimigo que o semeou é o diabo” (v.38).

O destino do joio já está traçado: “Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa pecado, e todos os que cometem iniquidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo, onde haverá pranto e ranger de dentes” (vv.40-42). Repare nisso: Deus eliminará de Seu reino “tudo o que causa pecado” e “todos os que cometem iniquidade”. Creio que “tudo o que causa pecado” seja uma alusão aos demônios, aos Nefilins, cujo objetivo é instigar os homens a pecar. Entretanto, os homens não ficarão impunes. Todos os que cometem iniquidade serão exterminados para sempre.

Na mesma passagem em que Isaías relata a queda do Querubim rebelde, lemos a sentença lavrada por Deus contra a descendência dos Nefilins: “A descendência dos malignos não será nomeada para sempre. Preparai a matança para os filhos por causa dos pais, para que não se levantem e possuam a terra, e encham o mundo de cidades” (Is.14:20b-21). Aquela prole amaldiçoada tinha que ser exterminada, para que não trouxesse males ainda maiores à humanidade.

Ao enviar seus doze espias à terra de Canaã, Moisés ordenou que eles sondassem a população que havia naquela região. Ao retornarem de sua missão, os espias relataram que viram gigantes na terra (o termo usado em hebraico é Nefilim).

Quando, finalmente, Israel estava prestes a entrar em Canaã, depois de perambular pelo deserto por cerca de 40 anos, Josué foi instruído por Deus a destruir completamente os morados daquelas cidades, não poupando nem mesmo mulheres e crianças.

Satanás semeou ali o seu joio, para impedir que a semente de Abraão, de onde viria o Messias, se estendesse por toda aquela região.

O livro de Números relata a presença dos Nefilins em Canaã, muito depois do Dilúvio. Depois de vagar por 40 anos no deserto, os filhos de Israel deram uma parada em Cades, que era uma espécie de Oásis no norte do Sinai. Foi dali que Moisés enviou os doze espiais à Terra Prometida. O texto diz:

“Quando Moisés os enviou para explorar a terra de Canaã, disse-lhes: Subi ao Neguebe, e escalai as montanhas. Vede como é a terra, e o povo que nela habita, se é forte ou fraco, se são poucos ou muitos. Como é a terra em que habita? É boa ou má? Como são as cidades em que vivem? São abertas ou fortificadas? Como é o solo? É fértil ou estéril? Tem matas ou não? Esforçai-vos, e trazei do produto da terra...” Números 13:17-20

Depois de 40 dias, os espias retornaram com o seguinte relatório:

“Fomos à terra a que nos enviaste. Ela verdadeiramente mana leite e mel! Este é o seu fruto. Mas o povo que habita nessa terra é poderoso, e as cidades fortificadas e muito grandes. Também vimos ali os filhos de Enaque (gigantes).”Números 13:27-28

Quando o povo já demonstrava desânimo com o relatório dos espiais, Calebe tomou a palavra e disse: “Subamos animosamente, e possuamo-la em herança, pois certamente prevaleceremos contra ela. Porém os homens que com ele subiram disseram: Não poderemos atacar aquele povo; é mais forte do que nós. E diante dos filhos de Israel infamaram a terra que tinham explorado, dizendo: A terra, pelo meio do qual passamos a espiar, é terra que devora os seus moradores. Todo o povo que vimos nela são homens de grande estatura. Também vimos ali gigantes (pois os descendentes de Enoque são de raça gigante), e éramos aos nossos próprios olhos como gafanhotos, e assim também lhes parecíamos” (Nm.13:30-33).

Por causa do receio dos filhos de Israel em enfrentar os Nefilins, toda aquela geração foi reprovada por Deus, ficando prostrado no deserto, ao longo de quarenta anos de peregrinação. Daquela geração que saíra do Egito, somente dois, Josué e Calebe, adentraram a terra prometida.

Quarenta e cinco anos depois deste episódio, quando Calebe recebeu de Josué a sua parte da herança, teve que enfrentar os Enaquins (Nefilins), e expulsá-los do monte Hebrom (Js.14:12-15).

A ordem de Deus não poderia ser atenuada. Sua instrução foi clara:

“Ouve, ó Israel! Hoje passarás o Jordão para entrares a possuir nações maiores e mais fortes do que tu, cidades grandes e muradas até o céu. O povo é grande e alto, filhos dos Enaquins, que tu conheces e de quem já ouvistes dizer: Quem poderá enfrentar os filhos de Enaque? Sabe, porém, hoje, que é o Senhor teu Deus que passa adiante de ti, como um fogo consumidor. Ele os destruirá e os derrubará diante de ti, e tu cedo os expulsarás e os desfarás, como o Senhor te prometeu. Quando o Senhor teu Deus os lançar fora de diante de ti, não digas em teu coração: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra para a possuir. Antes, é pela impiedade destas nações que o Senhor as expulsa de diante de ti (...) e para confirmar a palavra que o Senhor teu Deus jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó.” Deuteronômio 9:1-4,5b

Em Deuteronômio, os gigantes Enaquins (descendentes dos Nefilins) também são conhecidos como Rafains (Deut.2:11). Entre os mais conhecidos Rafains está o rei Ogue, de Basã. De acordo com Deuteronômio, a enorme cama de ferro[17] de Ogue ainda podia ser vista em Rabá (Deut.3:11).

Segundo a Bíblia, tanto os Refains quanto os Enaquins foram exterminados por Moisés (Js.12:4-6), Josué (Js.11:21-22) e Calebe (Js.15:14; Jz.1:20), ainda que restassem alguns desgarrados, que acabaram mortos por Davi e seus homens (2 Sm.21:18-22; 1 Cro.20:4-8).

Embora os gigantes tenham sido erradicados da Terra, fomos comissionados por Cristo a expulsar os demônios, na autoridade do Nome de Jesus. Portanto, a luta continua. Mas a vitória é garantida “pelo sangue do Cordeiro” e pela palavra de nosso testemunho (Ap.12:11).

Paulo fala que nossa luta não é contra carne nem o sangue, mas contra os principados, as potestades, os poderes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais da maldade nas regiões celestes. De Gênesis 6 até os dias de Davi, o povo escolhido por Deus teve que lutar contra inimigos de carne e sangue. Aqueles mesmos inimigos estão em guerra contra o povo de Deus hoje. A diferença é que já não são carne e sangue, mas seres espirituais. Quando Paulo fala de “poderes deste mundo tenebroso”, está se referindo aos demônios, que trabalham por trás das estruturas injustas que buscam cativar os seres humanos. Já “os principados, as potestades, e as forças espirituais da maldade nas regiões celestes” dizem respeito àqueles anjos que se rebelaram contra Deus, e hoje atuam sob a orientação do “príncipe das potestades aéreas”.

[1] Livro dos Jubileus 4:15[2] Um exemplo de longevidade é Matusalém que viveu 969 anos. O próprio Adão viveu 930 anos![3] Mais tarde Deus estabeleceu que o homem deveria viver em média 70 anos.[4] A terça parte dos anjos, que participaram da rebelião promovida pelo Querubim Helel ben-shahar (Lúcifer).[5] De acordo com Luther Link, «até o século IV, Enoque fazia parte do ainda mal definido cânone»; «Familiar para os judeus e primeiros cristãos, Enoque foi um texto sagrado autêntico para Judas, Clemente, Barnabé, Tertuliano e outros primeiros pais» (embora Jerônimo e Orígenes fizessem ressalvas).[6] Monumento megalíticos – Monumentos feitos com grandes pedras, que pesam toneladas. Ainda é um mistério para a ciência, a maneira como tais pedras foram transportadas. Um exemplo disso são as famosas estátuas da Ilha de Páscoa, que fica a milhares de quilômetros do continente, no meio do Oceano Pacífico.[7] É por ser oriundo de uma linhagem pura, que não fora poluída pela semente dos Nefilins, que Jesus é chamado “Filho do Homem”.[8] Mártir, Justino, “The Second Apology”, Writings of Saint Justin Martyr, traduzido por Thomas B. Falls (N.York: New York Christian Heritage, 1948), p.124.[9] Atenágoras, “Legatio”, ed. e trad. William R. Schoedel, Oxford Early Christian Texts: Legatio and De Resurreictione(Oxford: Clarendon Press, 1972(, p.61.[10]Tertuliano, “Apology”, Apologetical Works, Fathers of the Church, 69 vols. Até esta data (Washington, D.C.: Catholic University os America PRESS, 1947-), 10 (1950): 69.[11] Tertuliano, “The Apparel of Women”, Disciplinary, Moral, anda Ascetical Works, Fathers of the Church, 40:118-20.[12] Clemente, “The Instrutor”, Ante-Nicene Fathers, 2:274.[13] The Clementine Homilies, Ante-Nicene Fathers, 8:272-73[14] Ver Apocalipse 21:17; Gálatas 4:14; Atos 1:10; Juízes 13: 3-21; Daniel 9; Gênesis 19:10-15, Hebreus 13[15] Há traduções que trazem “filhos de Israel” em vez de “filhos de Deus” (bene ha-Elohim). Está comprovado através da descoberta de um texto fragmentário entre os Manuscritos do Mar Morto que continha o Deuteronômio 32:8. composto em escrita do final do período herodiano (fim do século I a.C. ao início do século 1 d.C.), que as últimas palavras do versículo são claramente bene ha-Elohim (filhos de Deus = anjos). Esse fragmento é hoje o mais antigo texto hebraico do Deuteronômio 32:8 conhecido. Essa redação foi preservada na Septuaginta Grega, que traduziu como “aggelon theou” (anjos de Deus).[16] Convém salientar que esses anjos também comeram de um banquete preparado por Ló. Ver Gn.19:3[17] A cama de Ogue tinha cerca de 4m de cumprimento e 2m de largura.[1] Waisbard, Simone, Tiahuanaco, Ed. Hemus[2] Agostinho, Santo, De Civitate Dei, X